presunções de um mês no Porto

A Ryan Air fez com que quem não tivesse clientes ou emprego suficiente conseguisse sair do Porto sem fazer grandes despedidas. Quem sai hoje daqui, não se compromete com longas ausências. Antigamente as partidas eram mais sérias, por vezes definitivas. Entretanto, os jovens empreendedores invadiram a baixa da cidade para apreciar o vibrante espectáculo do turismo e tirarem tanto proveito disso quanto possível. Abrem discotecas e restaurantes sem alma como se só houvesse isso para fazer numa cidade. Nesse lugares acabam mais por desfilar os grupos de raparigas e rapazes do Porto do que turistas. Eles em pólo ou camisa e elas em vestidos subidos, imensamente subidos, apertados, ou então em blusas transparentes e de calças justas.
A cidade é já uma gigantesca bancada onde apenas podemos olhar uns para os outros. Às vezes cruzamos olhares e sorrimos para alguém. Às vezes há um sorriso de volta. É esse um bom caso para se ficar calado e só numa multidão.
Quem no meio disto tudo não tem empresas e nem emigra, com o passar do tempo, obtém uma espécie de lugar numa bancada VIP. Daí assiste-se e comenta-se o circo. Desde que não se faça muito barulho os políticos e os patrões vão garantindo aos residentes do Porto o lugar de comentador.
Há comentadores divertidos é certo, mas há poucos actores. Os que há são, regra geral muito famosos e fraquinhos, tipo os candidatos à Câmara ou os actores de telenovelas. Depois, como em todas as cidades há uns que ninguém sabe quem são nem ninguém quer saber ou porque são muito novos ou porque nem reclamam para si algum tipo de arte. Não querem: "Para quê imaginar que sou isto ou aquilo e que o mundo pode ser isto ou aquilo se posso ficar aqui na boa tranquilo". Esta é uma agitação constante mas pouco interessante. Perdendo-se o fulgor do café e da noite, as pessoas deixam de conseguir imaginar um mundo melhor, um país menos sujo, ou uma cidade diferente pelo simples motivo de que estão confortáveis nele. Não gritamos, não partimos, não matamos, não apontamos, não dizemos em voz alta pois não... Mas também não mudamos nem fazemos. Desaparece toda a arte de viver para se viver de acordo.

Deixo o link para um post que julgo falar sobre o mesmo assunto de outra forma.

"Assim, não acabaremos por chegar ao sítio onde a Grécia está. Nem alcançaremos a Irlanda. Nem acredito que seja inevitável que a crise económica leve à violência. Mais depressa levará a um cinismo, a uma falta de fé e ao que por aqui passa por individualismo: a desresponsabilização completa do indivíduo em relação a todos os outros, argumentando que só assim terá responsabilidade individual.
Pelos vistos, a neo/ordo/ultraliberalidade lusa acredita que um país que não consegue produzir um indivíduo que se revolte contra injustiças e desigualdades vai produzir em massa indivíduos empreendedores, com iniciativa, inovação, etc. – boa sorte com isso."

http://ressabiator.wordpress.com/2013/06/19/ilusoes/#more-11271

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