Um pormenor de ontem

Ia a entrar na casa de Serralves e percorro um corredor escuro semi-entupido com casais encasacados como que acorrentados no passo. As paredes do corredor eram de espelho. Às tantas há uma cota beta que passa por mim e topa os meus olhos raiados de vermelho dos dois copos de vinho do jantar e do whiskey que se tinham somado ao cansaço do trabalho. E disse ela com impetuosidade exactamente quando passava ao lado do meu ouvido: "Meu! (pausa) Deus!" Ela passou eu raciocinei... será que era para mim? Analisei todo o contexto, linguagem corporal, timing, etc. e só podia ser para mim. voltei dois passos atrás e fui ver-me ao espelho. Estava impecável. Não percebi. Às tantas não era para mim. Sigo a minha viagem e encontro o pessoal. Vira-se a Rita: "O que é que te aconteceu aos olhos? Estão mesmo raiados de sangue nos cantos." E aí percebi a censura da outra. Estou-me nas tintas para o padrão de "apresentabilidade" dela, até porque a minha pinta deixava a mulher na sombra. O que me fode é a lata da senhora, o despeito com que julga que tenho de lhe aturar a boca. Gostava de ter reagido de alguma forma, e mesmo agora não me consigo lembrar de nada de jeito que pudesse ter feito. Acho que quando as coisas descem a este nível fico desarmado. Nada de grave no entanto.

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