“Não faças do teu pensamento blocos de cimento”

A discussão política, crítica e até filosófica parece-se cada vez mais com comprar iogurtes numa grande superfície: queremos comprar um ou dois e acabamos por ter que levar uma dúzia. Não há outro remédio; só se vende assim. Do mesmo modo, às vezes gostamos de certo conceito de Marx e não o podemos usar por que se aceitamos Marx temos que aceitar Stalin, etc. À direita, também não podemos tocar nos Futuristas porque isso leva a Mussolini, e por aí adiante. E muito depressa se chega a coisas ridículas, como concluir pela perversidade do vegetarianismo porque Hitler não comia carne. Parece uma anedota, mas percebe-se as suas consequências quando vemos os nossos partidos completamente crispados, incapazes de se comprometerem uns com os outros, mesmo quando as suas ideias são muito próximas. Por tudo isto, tenho aplicado ao pensamento algumas das estratégias do modernismo. Por exemplo, acredito que o pensamento deve ser modular. Deve-se poder usar apenas a parte de um sistema que nos seja útil (é mais importante a nossa coerência do que a das ferramentas que usámos). É uma estratégia semelhante à da fotografia modernista que isolava um pormenor ou textura tornando-o abstracto, dramático ou estranho, ou que o recombinava com outros pormenores em colagens, montagens, etc. Há uns anos no Porto, havia um grafitti que aconselhava a que não se fizesse do pensamento blocos de cimento. Módulos, mas imóveis e pesados, que é difícil reutilizar. Talvez uma alternativa melhor fosse “Faz do teu Ego uma caixa da Lego”.

 by Mário Moura

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