Para que ninguém se lembre de ir a uma smartshop

Nessa noite eles foram sair e eu fiquei em casa a trabalhar. Como são todos sensatos e não tínhamos nenhum compromisso no dia seguinte não me preocupei quando às quatro da manhã decidi ir dormir sem eles terem chegado. Nem sequer lhes telefonei. Acordei às onze, atravessei a sala para ir à cozinha e vi que já tinham chegado. Tentei não fazer barulho. Quando cheguei à cozinha reparei que não tinham tido muito cuidado quando chegaram. Fiz uma taça de leite com cereais, aveia e amendoas e estava eu a ferver o café quando um deles me entra pela cozinha com cara de caso e com cara de ressaca. – Bom dia! – disse eu. – Mmm? – respondeu ele. – Então? Ressaca? – Pior... – retribuiu. – Quê? MD? – os olhos dele estavam esbugalhados, pupilas dilatas e a cara estava desfigurada. – Pior... – Pior?!! Então? – Smartshop. – E olhou para mim como que à procura de uma resposta. – Smartshop?!! Mas vocês são malucos! Que idade é que têm???? Não sabes que essas merdas são todas feitas em farmácias de vão de escada e que só são legais porque nunca foram experimentadas. Foda-se, e eles? Também? – Calma João. – Também tomaram eles? – Sim. Não tenho os pensamentos fluídos. – Foda-se! Olha que esta... O que é que tomaram? – Uma merdinha de nada. 10 Euros. — e repetiu – Não tenho os pensamentos fluídos. Salto. Quero ter um raciocínio e não consigo. Estou a pensar nas coisas e aparece-me um cavalo. – Calma. 2+2? – não respondeu e eu repeti. – Olha para mim. 2+2? – 4 – Que cor é esta? – Azul. – Pelo menos consegues entender o que te digo e consegues responder. E o que foi que tomaram, como se chamava? – Stardust. – Star quê? Mostra-me o saco se faz favor. – Tem calma João! Tu és a pior pessoa para se falar nestas alturas. – Tenho calma??? Então tu não sabes que essas cenas só são legais porque eles sintetizam moléculas novas sobre as quais não há estudos? E tu vais mandar uma cenas dessas? És parvo? – ele deu-me o saquinho. – Eu não sabia. Nunca pensámos... Era só putos à porta. A gente entrou naquela e decidimos experimentar. Fomos à net ver e dizia lá uma hora a duas horas de efeito, já lá vão 8 horas e ainda nada. – Parei de comer e fui à net pesquisar. Em dois ou três minutos fiquei a saber que esta droga era a versão nova de uma anfetamina, mefedrona, que já tinha ficado na moda em Nova Iorque em 2007 até terem morrido algumas figuras públicas da noite, altura em que foi proibida a sua comercialização em vários países. Então alteraram a molécula e criaram a Stardust Extreme, que se pensa que seja ainda mais mortífera e que também já foi proibida em alguns países. Fui ler os efeitos secundários e, apesar de violentos, acalmei-me. Afinal de contas eles tinham comprado a quantidade mínima, 0,2g a dividir por três, de uma versão light (Stardust apenas, e não Stardust Extreme) e estavam vivos. Além disso, ele podia estar com pensamentos errantes, mas conseguia andar e falar com lógica, em suma, ainda tinha os neurónios a funcionar. Quando chegaram os outros dois já não tiveram direito a descasca. Nesse dia tentei tratar bem deles. Já todos tinham tomado mais drogas que eu mas estavam bastante assustados. Nunca tinham tido uma experiência assim. Cozinhei o almoço, tentei acalmá-los, fi-los ver que estavam bem e que iam ficar melhor, marquei mesa para jantar num sítio bonito, e eles foram passando o dia, sempre lamentando a angústia que sentiam. Profunda. Foram relaxando, ouvi-os e tentei ir relativizando. Tinha a certeza que iam ficar bem. Disseram-me tiveram de beber água dos aspersores, que até foi fixe nas primeiras horas, mas que tinham alguma dificuldade em expressar o que sentiam... Contaram-me também que viram passar um méne que já nem sequer conseguia ter os braço normais, que parecia deficiente motor com expressões faciais parecidas com as de uma pessoa com paralisia cerebral. Garantiram-me que ele era normal e que de certeza que tinha tomado muito mais que eles. Sentiam-se culpados porque ele tinha pedido ajuda e eles nada. Mas como um deles disse e com razão, naquele estado nunca conseguiriam ajudá-lo. Eles, no dia seguinte, estavam bem e começaram a sorrir.

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