Desperdícios

"Costumavam ser as mulheres bonitas a fazer parar o trânsito, Hoje, é o rapaz que distribui os jornais gratuitos nos semáforos da Cantor Zeca Afonso quem empata tudo, tornando irrelevante a diferença que se faz entre o verde e o vermelho. Todos os condutores abrem o vidro para ter direito às notícias grátis em papel e as filas formam-se nas três faixas, desfazendo-se em passo de caracol, que aqui ninguém tem pressa para ir trabalhar. A mim o rapaz já me conhece, sabe que lhe abro o vidro apenas para lhe dizer bom dia, mas que papel já tenho que chegue em talões, faturas, recibos e bilhetinhos (e de notícias já não quero saber porque são todas em segunda mão). Mesmo agora que desperdício é crime, parece que não são suficientes as dezenas de canais de televisão e os jornais online com notícias atualizadas ao minuto. Possuir, consumir, acumular, guardar, continuam a ser atos compulsivos e irrefletidos. Se não há dinheiro para alimentar o vício, consome-se de graça, que não faltam sobras e excessos para distribuir num país que se diz por aí asfixiado. É que ninguém quer ser acusado de falta de cultura e interesse pela atualidade, num tempo em que se joga o futuro de tanta gente numa mesa de pano verde onde só entra quem pode. Ler um jornal faz-nos acreditar que o jogo é às claras. Ler muitos faz-nos cuidar que assistimos a ele de todos os ângulos e perspetivas. Que desperdício de fé. Que desperdício de papel." 
da mãe preocupada

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