Um dia do Design, by Mário Moura

Assim, na tarde do dia 27 de Abril, por volta das quatro, designers de todos os feitios e tamanhos, de todos os cantos do país, foram-se juntando à porta do Cine Teatro Constantino Nery, em Matosinhos, um edifício pequeno mas airoso, para assistirem às comemorações do World Graphics Day da Esad. Alguns, pouco mais de vinte (de trinta, se contarmos os colectivos), vinham apresentar trabalho, outros vinham ver. O sucesso do evento já estava parcialmente garantido pela afluência, que esgotou os bilhetes uns dias antes.


No átrio, havia quem comentasse o cartaz do evento, atribuído a João Faria (não o pude comprovar). Mostrava uma igreja no meio de uma mancha alaranjada, as chamas de um incêndio (a interpretação mais comum) ou talvez apenas folhagem outonal quase abstracta, a diferença entre destruir as instituições e derrubar os ídolos ou prestar-lhes homenagem num domingo tranquilo. Não sei qual seria a intenção original do cartaz, provavelmente a primeira, mas o dia tendeu para a segunda: correu bem, sem atrasos ou imprevistos.

O formato Pecha Kucha ajudou bastante à fluidez, contra todas as minhas expectativas. Para quem não sabe, é um modelo de conferência rápida, vinte imagens enviadas previamente pelos conferencistas à organização, apresentadas durante vinte segundos cada uma, num total de seis minutos e quarenta, sem que os oradores possam parar, voltar atrás ou mesmo controlar a sua cadência.

Daí as minhas dúvidas: estava à espera de mais engasgos, tropeços, mas, ao longo da tarde, o esquema foi funcionando de modo fluente, cada um dos designers sucedendo aos anteriores, sem atritos, fricções ou atrasos evidentes.

Em outros formatos, especialmente quando se misturam várias gerações, é bastante comum os oradores começarem a responder às apresentações uns dos outros, com alfinetadas, discordâncias ou, mais frequentemente, mal entendidos geracionais. Neste caso, com as apresentações preparadas


de avanço e pouca margem para improvisação, as coisas correram bem, embora sacrificando qualquer possibilidade de debate.

Talvez por isso, por contornar as limitações do discurso público dos designers portugueses, pouco habituados à discussão em ambientes menos controlados ou hierarquizados que a sala de aula, estas conferências tenham passado uma imagem mais madura, mas também menos formal, que o costume.

Segundo José Bártolo, estiveram representadas quatro gerações de designers portugueses que, tanto quanto me consigo lembrar, não chegou a enumerar, mas que se foram tornando explícitas ao longo do dia: uma geração antecedendo ou coincidindo com o começo do design gráfico como um disciplina em Portugal (José Brandão, Jaime Ceia ou Dorindo Carvalho), uma segunda geração que começou a trabalhar já dentro desse esquema disciplinar, na década de oitenta (Jorge Silva, António Modesto, Eduardo Aires, Francisco Providência, Ivone Ralha), uma terceira, já de designers na sua grande maioria formados pela geração anterior (João Faria, Manuel Granja, João Vinagre, etc.) e, finalmente, uma de jovens designers com menos de trinta anos (João Marrucho, Rui Silva, Bolos Quentes, Joana & Mariana, etc.)

Se houve alguma diferença geracional mais visível, foi uma certa ênfase por parte das duas gerações mais velhas para apoiarem o seus discurso numa ligação a uma tradição, por vezes, construindo-o, talvez de modo um pouco pesado, através da enumeração de máximas e de citações (Modesto e Providência), da invocação da figura tutelar de Sebastião Rodrigues (Jaime Ceia) ou da edição de livros recolhendo essa tradição (Jorge Silva). Nas gerações seguintes, a tradição seria usada sobretudo como inspiração ou matéria-prima, recolhida em letreiros de rua, revistas e livros, reaproveitada criativamente no trabalho do dia-a-dia; não uma homenagem que imobiliza o passado num pedestal, mas que o actualiza e debate a cada momento.

De modo geral, a qualidade das apresentações foi muito boa. A maioria recorreu com proveito à muleta do texto escrito ou mesmo da gravação pura e simples, como no caso de Francisco Providência ou Carlos Guerreiro. Acabei por preferir aquelas que, melhor ou pior, foram mais informais: a pantomina minimal de Jorge Silva, olhando imóvel e em silêncio a plateia enquanto a sua apresentação dizia realmente tudo por ele, o optimismo enfático dos slides a contrastar com a cara impassível do designer; a sinceridade franca mas pacatamente excêntrica de João Marrucho que falou de trabalho, estudo, orçamentos e o amor das mulheres; a segurança do trabalho e da apresentação de Rui Silva.

http://ressabiator.wordpress.com/2011/04/30/um-dia-do-design/#comment-3007

Mensagens populares