Soluções

http://ressabiator.wordpress.com/2011/03/02/solucoes/

Tentei ver o Prós e Contras sobre a “geração sem remuneração” e fui ficando cada vez mais agoniado com a falta de preparação do programa (e da própria sociedade) para lidar seriamente com este problema. Seria difícil fazer um inventário de todos os chavões e condescendência despejados durante aquele par de horas, sem qualquer rasto de uma solução que não fosse um lugar-comum. Na melhor das hipóteses desfazia-se um lugar-comum atirando contra ele outro lugar-comum.


Alguns chavões sortidos: o mercado de trabalho não consegue absorver os licenciados (conseguir até consegue; só não lhes paga); na mesma onda, reprovou-se o verso dos Deolinda onde se diz que para “ser escravo é preciso estudar”, concluindo que é um apelo à desistência escolar e mais alguém mostrou um gráfico a demonstrar que é mais fácil encontrar um emprego com um canudo (mais uma vez, o problema que estava a ser discutido não era a falta de emprego, mas a falta de remuneração, um mal entendido que durou todo o programa, tanto quanto pude perceber); culparam-se os sindicatos, essencialmente por defenderem os trabalhadores e não as pessoas que têm uma “espécie de emprego” e, na mesma veia, culparam-se os direitos adquiridos dos trabalhadores mais velhos e sugeriu-se resolver o problema da precariedade tornando toda a gente precária; culpou-se a crise e o contexto português pelo problema (quando o problema dos estágios é bastante internacional e precede a crise).

Resumindo, quase todas as soluções apontadas implicavam uma mudança de atitude dos jovens trabalhadores, porque não tinham iniciativa; ou que até tinham iniciativa (como uma trupe de escuteiros – ! – veio demonstrar), mas que ninguém lhes ligava nenhuma.

Como é habitual, muito pouca gente se lembrou de culpar as empresas que conseguem vantagens desleais à custa do trabalho não-remunerado. No discurso público português, e depois de anos de apelo ao empreendedorismo, tornou-se praticamente impossível dizer mal dos direitos adquiridos das empresas, que se sobrepõem aos interesses dos trabalhadores, do ensino e da própria sociedade, cuja credibilidade vai sendo destruída pelos estágios não remunerados e falsos recibos verdes – os estágios não-remunerados conseguem a proeza de fazer concorrência desleal a outras empresas, aos trabalhadores assalariados e ao próprio sistema de ensino, quando é oferecida formação mais “a sério” que a das escolas em troca de trabalho gratuito.

Só houve uma ideia com o mínimo de interesse – e mesmo assim limitou-se a raspar na atmosfera do planeta Solução, só para ser lançada de novo para o espaço: alguém sugeriu que deveria haver incentivos fiscais para as empresas pagarem aos seus estagiários. Só por si é uma ideia oportunista, que equivale a defender que deveria ser o Estado a pagar indirectamente aos estagiários, limitando-se as empresas a recolher os lucros – em última análise, que o Estado deveria subsidiar as empresas, suportando os custos para com os trabalhadores.

Já referi que o problema dos estágios é internacional e teria sido interessante ver como é tratado em outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, foram estabelecidos – como já referi em outro texto – seis critérios federais para apurar a legalidade de um estágio, entre eles que o trabalho feito num estágio deve ser equivalente ao de uma escola vocacional ou de uma instituição académica; que não deve substituir o de um trabalhador pago; que o empregador não deve tirar vantagens imediatas do trabalho do estagiário (ou seja, lucro). De acordo com este enquadramento, o estágio é um trabalho pro bono por parte da empresa e não apenas do estagiário.

Podia-se imaginar uma situação em que as empresas só podiam usar estagiários para trabalhos de intervenção social e cultural sem fins lucrativos. Neste caso, em que está a ser produzido trabalho que facilita a vida do Estado e da sociedade em geral, nem chateava muito que se pagassem menos impostos, e como bónus, matavam-se dois ou três coelhos com uma só cajadada: as empresas já não faziam concorrência desleal usando trabalho gratuito para obter lucro; os estagiários obtiam formação num contexto empresarial e a sociedade podia beneficiar com os resultados da experiência.

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