Testemunho

Aqui deixo o meu testemunho de jovem adulto no Porto ao Close Up, que amavelmente me convidou para escrever algumas linhas sobre a minha experiência. Pediram-me 450 palavras e escrevi mais de 1600. Lamento ter tanto para dizer.



Quando fui estudar para a FBAUP em 1999 era pessoa de consciência leve. Saí jovem adulto cheio de força para trabalhar, com mil ideias e sem um tostão para as colocar em prática. Os meus pais não são ricos, são da classe média, que entretanto está em em vias de extinção... Nenhuma instituição nem nenhuma empresa se apercebeu de que valia a pena fixar um novo trabalhador no Porto, e saiba-se que me esforcei para que o meu trabalho não tivesse passado despercebido.
Elogiavam o meu trabalho em conversas de café, mas ninguém me contratou. Sei que muitos jovens designers como eu deverão ter encontrado estas e piores dificuldades, e poderão ter esmorecido com o passar do tempo. Este fenómeno raramente se deve à falta de qualificações, mas antes à falta de investimento nas pessoas. Basicamente, em Portugal preferem quase sempre investir em edifícios, equipamentos, viaturas do que em pessoas capacitadas para aumentar a produtividade com ideias novas. Assim acabamos a estagnar o dinheiro nas mesmas mãos e impedimos os negócios tradicionais, assim como os novos tipos de negócio, de florescerem. Mas isso seria tema para outro texto.
Entretanto, passaram quase onze anos desde que cheguei ao Porto. Acabei o curso, vi as portas fechadas e vi também quase todos os meus colegas ou calados ou loucos. Grande parte emigrou.
Há quem diga que quem chega ao Porto encontra as portas todas abertas, e que com o tempo, à medida que se vai experimentando e errando, essas portas vão-se fechando. Diz-se por vezes que no Sul é ao contrário, que as pessoas desconfiam quando chega um forasteiro e que com provas dadas as oportunidades aparecem.
O que eu senti não foi bem isto, mas mesmo que fosse, acontece que para inovar é preciso experimentar e errar. Logo uma cidade cheia de gente que não admite o erro terá tendência a estagnar ou mesmo a regredir.
Fui para Lisboa onde encontrei emprego. Depois regressei e encontrei emprego num dos maiores ateliers de design e publicidade do Porto. Aprendi o ofício do design gráfico mas antes de me esquecer como é importante errar para crescer, saí. Não vejo qualquer futuro no discurso marketeiro, e trabalhar sem capacidade para intervir em decisões importantes, tem vantagens, mas também pode ser desmotivante.

"O Porto é uma cidade muito dura". Mas ao contrário do que se costuma dizer a seguir, não cria pessoas de carácter forte. Cria pessoas azedas (que é o que acontece à gente quando fica ao abandono). Mas pior que criar pessoas azedas, é criar uma outra espécie de pessoas empregadas que são atadinhas e que se desmancham ferozmente em cães de guarda quando alguém se aproxima do terreno do chefe. Esta é a minha descrição da maioria das pessoas que ocuparam cargos no tecido institucional portuense durante a primeira década deste século. Aqui o que cresce é a corrupção, a mediocridade e a falta de carácter. Isso aqui “é mato”. Essas são as pessoas dizem que "isto é muito duro" e que "aqui só os mais forte é que vingam". Nada mais longe da verdade. Mas imagino que em Lisboa seja o mesmo ou pior.

Quem diz isso nem sequer sabe quanta coragem e quanto desespero é preciso para criar um blogue ou escrever numa revista sobre algo que lhes diga respeito. Ignoram o que se escreve nas paredes... Desvalorizam a opinião pessoal livre, em prol de um qualquer pseudo-paradigma orientado por interesses económico-partidários. As pessoas que dizem isso são mais que malandras e estão-se pouco a marimbar para a frescura e para todos os novos planos de onde não retirem rendimentos a curto-prazo. Não conseguem perceber que estão a criar tantas dificuldades como as que lhes poderiam ter sido levantadas, descartando-se da responsabilidade de mudar, às vezes por comodismo, porque já chegaram onde queriam, outras vezes por medo, mas na grande maioria das vezes é porque estão impotentes para mudar seja o que for. Vivo cá há mais de dez anos e sei bem do que falo. Não são como aquele melro, que num dia de incêndio na sua floresta andou atarefado a acartar água no seu bico para o apagar. São como aquele castor que olha em volta e diz... “Bem isto está tudo a arder mas a culpa não é minha. Se fosse eu a mandar nem sequer árvores havia de pé.” E pergunta o castor Tugo com cara de quem a sabe toda ao melro: _Melro, melrinho… Porque andas tu a cansar-te para apagar este fogo imenso? — e diz-lhe o melro: —Eu estou a fazer a minha parte.


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Trabalho em produção de música, de eventos, em design gráfico, escrevo, desenho, crio sistemas de organização, giro projectos, trabalho como trolha e moço de recados, com uma réstia de fé.
Já pisei muitos palcos, já me cruzei com dezenas de directores, gestores, promotores e com muita malta cool. A gente cool (sejam nerds ou pavões) é a única que é preciosa no Porto. Quase todos os outros (existem excepções), dos chefes aos sub-chefes, representam o que de mais desprezível existe nesta cidade, com estruturas, com potenciais clientes informados, que forma pessoas valiosoas em quase todas as áreas profissionais.

O que safa o Porto são os milhares de rapazes e de raparigas que ainda conseguem dormir de consciência tranquila e que são autoconfiantes, que chegam todos os anos, de todos os pontos de Portugal para estudar. É a Universidade que os atrai. Muito sinceramente, esta cidade, não vale nada sem estes que ainda não estão medrosos ou comprometidos. Não vale nada sem os que não estão deprimidos. E mesmo as pessoas e principalmente os jovens que caíram em depressão recentemente têm que saber que não é só culpa deles porque eles nem sequer têm a oportunidade de se responsabilizarem por algo, e como consequência nunca poderão ser responsabilizados por nada, nem sequer pela sua própria saúde mental. É certo que todos erramos, dos gestores aos estagiários, que alguns têm mais iniciativa que outros, que alguns têm mais calma que outros, mas os gestores já estão a errar há muito tempo e tudo o que é demais faz mal. Se fosse realmente como ouvi dizer: —Quando erramos no Porto, fecham-se as portas!— já cá não andavam muitos deles. Por mim, esses é que podem desaparecer da cidade, e não malta cool, optimista e com carácter. Podem puxar dos galões todos, não me dizem nada, poderei tê-los um dia mais tarde se quiser, enquanto eles nunca poderão resgatar a nobre consciência do que é certo e errado. Uma elite de alma vendida ao diabo, para não perder um emprego, e outra protegida dentro das paredes herdadas dos avós.

Entretanto, muito se tem falado de incubadoras de empresas, de parteiras de criativos, de gente disponível para ajudar os putos a fazerem planos de negócios. Sempre quero ver o que daí sairá. Tenho quase a certeza que ficará tudo na mesma. Os 30000 estudantes que continuarão a entrar, vão continuar a sair porque nem sequer estão interessados em ouvir falar o conferencista experiente que é conselheiro naquela ou noutra grande pessoa colectiva, muito menos em casar com os filhos dele.
Os objectivos que são apontados pelos ministros são de louvar, mas a cadeia de gestores que desce por aí abaixo até chegar ao professor orientador está tão descansada e tão corrompida que não vale a pena termos fé.

Para fixar talentos e fomentar a inovação é preciso um plano com princípio, meio e fim. Ora esse plano não passa de um estudo encomendado. Já lá vai um ano desde que começou a elaboração do plano, e nada, não aparece o plano porque não há plano. Não vão sobrar fundos para a concretização do plano porque está a ser gasto muito com a elaboração do plano.
Enquanto os velhos gestores estão distraídos a ler os relatórios desactualizados da Unidade de Coordenação do Plano Tecnológico, as dificuldades continuam a galgar terreno nesta cidade que cada vez mais se afasta da vida desejada pelos jovens talentos portugueses.


Vou, em vão possivelmente, tentar poupar tempo e dinheiro ao estado. Podem parar com o estudo para a concepção do plano para o desenvolvimento das indústrias criativas e anotar as seguintes medidas para lançar de vez o Porto para fora deste pegajoso, complexo e inapto conjunto de conjunturas:

Estas são as quarto áreas chaves que no caso do Porto merecem e devem ser fomentadas, assim como regulamentadas e supervisionadas.

1— Distribuição
Criação de um mecanismo local de distribuição de produtos oriundos das chamadas indústrias criativas.
Compete a este mecanismo recolher os produtos e colocá-los à venda em pontos distantes do Porto. Para isso é essencial procurar quais os produtos que existem, contactar com os produtores e admitir sempre novos produtores. É também preciso investigar quais a lojas específicas onde poderão ser colocados os produtos lá fora.

2— Imprensa Especializada
Apoio à criação de empresas de Imprensa de carácter especializado.
Compete a estas empresas analisar criticamente a produção local, sobre elas reflectir e escrever. Assim garantir-se-ia a publicidade e espírito crítico necessários ao natural desenvolvimento de todas as indústrias. Com uma rápida consulta on-line é fácil perceber que existe quem pense.

3— Hardware e Software
Apoio especializado às empresas de Hardware e Software. Por razões óbvias.

4—Propriedade Intelectual
Baixar os valores que são pagos pelos inventores para registo da propriedade intelectual e reduzir o poder de acção da ASAE que lá por saber trabalhar muito bem com bolinhos de bacalhau e vendas de DVD piratas em feiras, não quer dizer que possua as competências e as ferramentas necessárias para abordar questões de produção, distribuição e divulgação de música em formato digital.

Escrito isto… deixo-vos entregues à vossa consciência, ou aos tubarões.

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