História abreviada do Design em Portugal

Desafios e Debate Actual do Design e da Cultura Visual, para lá do Modernismo – Nova Emoção
Ana Schefer 06.06.2009 FBAUP

resumo
A nova emoção foi um movimento criado em 2004, por alunos da Faculdade de Belas Artes do Porto. Decorreu da vanguarda pós-modernista e das suas estratégias relativistas e manipulativas. Foi um movimento anti-historicista na medida - em primeiro lugar teve um nome – Nova Emoção - e só depois teve conteúdo. Asua principal premissa foi criar um movimento interdisciplinar essencialmente direccionado para a música, para a arte e para o design, que abolisse a barreira entre cultura de elites e cultura de massas. Opôs-se ás regras modernistas do design institucional, nomeadamente do design Suíço – o aspecto clean, as fontes neutras como a helvética, a ausência de individualidade e gerou uma estética visual fortemente digital baseada nos automatismos dos programas de computador -
We got tired of Swiss boredom. More is more.(1)
“A Nova Emoção nasce com atitude consciente.
Consciente de que se está a fazer História em tempo real.”(2)

A Nova Emoção foi um movimento artístico, com visibilidade em várias áreas, entre as quais podemos destacar o Design Gráfico e a Música. Este movimento do século XXI, nasceu na Faculdade de Belas Artes do Porto como consequência da confluência de vários factores e intervenientes específicos dos quais falarei, em pormenor, mais adiante. Todavia, antes disso, será necessário referenciar um movimento internacional maior, nascido na segunda metade do século XX, que ditou algumas das premissas da Nova Emoção: o Pós-Modernismo.



pós-modernismo
“O pós-modernismo parece ser claramente favorável ao relativismo, tanto quanto ele é capaz de claridade alguma, e hostil à ideia de uma verdade única, exclusiva, objectiva, externa ou transcendente. A verdade é ilusiva, polimorfa, íntima, subjectiva ... e provavelmente algumas outras coisas também. Simples é que ela não é...
Tudo é significado e significado é tudo e a hermenêutica o seu profeta. Qualquer coisa que seja, é feita pelo significado conferido a ela...”(3)

A estética pós-moderna é diferente de tudo o que veio antes dela. Os critérios-chave do modernismo são desconsiderados. Já não é imprescindível inovar nem ser original; A repetição, cópia ou apropriação de estilos artísticos passados é não apenas tolerada como encorajada. Desta forma, segundo Ernest Gellner não é possível falar de um “estilo pós-moderno”, muito menos de um “movimento pós-moderno”. Tal denominação necessitaria de um certo nível de organização, articulação ou mesmo intercâmbio que simplesmente não existe entre os produtores de estética actuais. A pós-modernidade reside, precisamente, na capacidade de apropriação ilimitada, torna-se então impossível uma unidade formal devido às incalculáveis tendências e linguagens postas em prática em simultâneo.
Arthur C. Danto, em After the End of Art considera a emergência da imagem apropriada como a mais importante contribuição artística da década de 70, -...they’re taking over of images with established meaning and identity and giving them a free meaning and identity –, pelo que teoriza o fim dos critérios de definição do objecto de arte através da total liberdade de procedimentos (estratégias de apropriação). Trata-se do fim da “proibição”, a admissão de todo e qualquer produto, toda produção passa a ser considerada mercadoria.
No pós-modernismo, torna-se pela primeira vez evidente a incompatibilidade da arte contemporânea com os constrangimentos institucionais, passando por uma reacção contra as formas estabelecidas do modernismo: a universidade, o museu, as fundações, pela abolição das fronteiras entre cultura de elites e a cultura de massas.



nova emoção

Após uma curta introdução acerca dos princípios do pós-modernismo tornar-se-á menos difícil compreender as ideias inspiradoras deste movimento que aconteceu tão próximo de nós, aqui no Porto, chamado Nova Emoção.
A Nova Emoção foi criada em 2004, por um alunos da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto dos quais podemos destacar como protagonistas João Alves Marrucho (Design de Comunicação), Albino Tavares (Design de Comunicação) e João Marçal (curso de pintura). Para além de frequentarem a mesma faculdade, estes alunos possuíam, em comum, algo mais sólido, que possivelmente surgiu como reacção à sua permanência na FBAUP. A todos lhes “irritava a conversa de Designer” - cito João Marrucho - a forma como o curso lhes tentava transmitir a ideia de que o Design só pode ser feito por Designers - pessoas com formação académica na área e que incorporam as regras estabelecidas pela tradição modernista – assim como esta produção só seria possível através do uso de ferramentas exclusivas que estariam fora do alcance da maioria das pessoas, por razões culturais e económicas.
Tal como o Pós-Modernismo visava derrubar a arrogância cultural, a abolição da barreira entre cultura de Elites e Cultura de Massas, a Nova Emoção nasceu da mesma necessidade - A nova emoção foi um revalorizar de tudo o que era popular(4) -, desta vez, numa luta contra as fundações da própria Universidade onde estudavam e que lhes oferecia uma visão da sua futura profissão que lhes parecia extremamente limitada, envolvida em preconceitos antigos, fortemente enraizados - We got tired of Swiss boredom. More is more.(5)
Oideal da Universidade transforma-se na sua razão de existir. Se todos pudessem fazer arte, ou design para quê escolher tal curso? Qual a razão de estudar? Contudo, a Nova Emoção não recusava uma estrutura académica, recusava apenas a sua exigência em delimitar os bons objectos de estudo, em oferecer aos seus alunos uma visão pré-definida das disciplinas, em dar a conhecer apenas aquilo que aceita e em que se reflecte.
Oacademismo apresentava-se assim como um meio de formatação de indivíduos a um todo homogéneo onde diferentes visões seriam marginalizadas – A Nova Emoção não servirá para engrandecer aquilo que já se sabe o que é, mas também não servirá para deitar abaixo todo o instituído. Ela faz-se mais dos momentos de que vamos gostando mas que não têm grande nome, ou que não têm força para existirem enquanto cultura.(6)

A Nova Emoção queria, desde início, um novo estatuto. Em termos práticos, recusava a ideia recorrente de unilinear movimento histórico, na medida em que foi criado antes de qualquer produto próprio. Em primeiro lugar escolheu-se o nome, só depois surge o conteúdo. Para além disso, a Nova Emoção aliou-se à interdisciplinaridade visto que a maior parte dos seus produtos estavam ligados á música, algo que uma vez mais, confrontava a acepção incorporada da faculdade de belas artes onde, raro algumas excepções (Professores Miguel Carvalhais, João Cruz, Pedro Tudela - @C e Crónica Electrónica), persistia uma permanentemente recusa em aliar diferentes áreas num projecto só. Neste contexto, o membros da Nova Emoção entendiam que a música, o som, o vídeo, o desenho, o design, a ilustração (...), deveriam criar objectos conjuntos que seriam bastante mais ricos pela diversidade de perspectivas.
Segundo João Marrucho - o conceito de Nova Emoção era ridicularizado por toda a gente, ninguém o levava a sério mas nós fizemos questão de o manter(7) -, para tal tornou-se necessário divulgar e fixar os seus produtos, tarefa que as novas ferramentas da internet facilitaram - quando pões alguma coisa na internet, ela assume outro estatuto, o de publicado, mas diferente de livro pois com 300 ou 1000 exemplares, sabes que não pode ir muito longe, na internet qualquer pessoa pode aceder.(8)
Nesta época (2004) foram criados os blogs FBAUP e Eurosom, que se debruçaram sobre a teoria e critica de música, de arte e de design no Porto, tudo porque - A música sempre foi um dos nossos motivos favoritos (Albino, Duarte e João), não só como tema de conversa mas também como pretexto para trocas de informação, de ideias ou mesmo software.(9) Pouco depois, em 2005 em conjunto com Albino Tavares e Duarte Oliveira, João Marrucho cria a Ástato com intenção de documentar aquilo que faziam. Para ser mais específica, a Ástato foi um nome abstracto que reuniu num todo varias produções culturais que derivaram da Nova Emoção. A Ástato funcionou como um projecto global com subdivisões: a Ástato-CDR, a primeira Editora CDR Portuguesa a publicar música de dança; a Ástato-VEC, que editava o projecto VEC (editando apenas um CD), produções musicais conjuntas de Albino e João; ANA, o projecto musical de João Marrucho; Marçal dos Campos, o projecto musical de João Marçal; entre outros. Para além de Editora, a Ástato conseguiu reunir várias pessoas num projecto, como produtores de música, como produtores visuais com a criação de toda a identidade gráfica (capas de cds, posters para os eventos, fanzines..) e como espectadores – todos aqueles que frequentavam as festas e os eventos organizados.
A Nova Emoção quis fazer tudo de raíz - música, editoras, estúdios, distribuidoras, design, arte, público, movimento, segundo estratégias pouco comuns o que, por vezes, dificultou a sua aceitação. De uma forma particular, a sua singular abordagem do design partidária de uma cultura visual que, na sua essência, procura o diálogo com o homem comum, afasta-se do design para designers, e que faz com que, muitas vezes, esta área se feche em si, tal como a arte.
A Nova Emoção procurou utilizar as ferramentas populares para produzir design, visou desviar-se do comum pudor para com as ferramentas do design actualmente acessíveis a todos, e tentou compreender e incorporar o modo como as pessoas lidam com a linguagem e com a tecnologia, com estas ferramentas de desenho(10), nomeadamente os presets (automatismos, efeitos) dos programas, que tornam possível a qualquer pessoa a produção de uma espécie de design, repudiado pelos designers - Qualquer pessoa pode fazer um cartão de visita, um poster ou uma capa para um cd (…) Quando surgem estes novos métodos de desenho – telefones, computatores, máquinas de fazer cartões pessoais no aeroporto – é isto que começa a formar o paradigma ou contexto visual da maioria, e não as criações de um grupo restrito de pessoas.(11)
Ao seguir estas normas, a Nova Emoção alcançou, em termos visuais, uma identidade individualizada, diferente de tudo o que se fazia até então. Não admitindo os estereótipos do design que comummente ditam as regras, a Nova Emoção recorreu a algumas combinações audazes daquilo era considerado feio, grosseiro, de gosto duvidoso, incorrecto e mesmo inaceitável - misturas fontes em desuso (Comic Sans, etc), por vezes 5 ou 6 fontes diferentes num mesmo trabalho, distorções das regras hierárquicas da informação, utilização de muitas cores, gradients, padrões, embosses, brilhos - Nos posters que faço, presto muita atenção ao porquê de este preset existir, quem é que o poderá utilizar. Consigo fazer coisas engraçadas com presets que não prestam, é como tudo, como a roupa, também há roupa que os teus pais não valorizam e que tu agarras e de repente ganha outro sentido.(12)
Contra tudo o que havia sido preconizado pelo Design do Modernismo, apologista de uma imagem “clean”, vazia, branca e pouco ousada, a Nova Emoção optou pelo elogio pós-moderno do exagero, assumindo, no geral, uma estética digital futurista e robotizada - Então, o que diferencia a Nova Emoção de um Emanuel ou duns U2? – Respondo - Contexto, consciência crítica, elos e acima de tudo público activo. Público participante, tido como igual consumidor/produtor/promotor de conteúdos...(13)
Em 2006, depois de mais ou menos dois anos de Nova Emoção começou a surgir por toda a Europa, em especial em Inglaterra e França e posteriormente nos Estados Unidos da América, aquilo que se denominou NU-RAVE. Em todos os sentidos, este movimento possuía pontos em comum com a Nova Emoção - Our musical influences should be similar to yours, I believe, because we live in the same time(14).

Primeiro, era um revivalismo de algo antigo “NEW”-RAVE / “NOVA”-EMOÇÃO; Segundo, também se aliava/provinha da música de dança (música de dança dos anos 80 e 90 - techno, house…); Terceiro, em termos visuais regia-se por critérios semelhantes aos da Nova Emoção, nomeadamente, o exagero de formas, cores, padrões, fontes, néons, gradients, presets, etc.
Ainda que semelhantes, o Nu-Rave distinguiu-se como um movimento global, com visibilidade por todo o mundo. Projectou-se na música com bandas como Klaxons, Cansei de Ser Sexy, Justice, Ed Banger (editora); Institubes (editora); na moda, com os estilistas Cassette Playa e Henry Holland, cujas criações inspiraram marcas como a H&M, a Nike, a Reebok, a Alife e produziram em massa uma nova forma de vestir – roupa colorida, padrões, exagero de acessórios (colares, pulseiras, óculos, bonés New Era); no design, com Kate Morross, Tobias Jones, So Me, entre outros; por último, é de referir a criação de uma revista dedicada inteiramente ao fenómeno Nu-Rave – a SuperSuper, que será talvez, o melhor representante da sua estética visual.


Comparação de flyers/suportes de comunicação do Porto de 2004 com flyers de Paris de 2007
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Acerca deste fenómeno, será necessário dizer que o seu sucesso deveu-se ao facto de contextos onde nasceu terem agido como meios propulsores, ao contrário do contexto português da Nova Emoção onde é visível uma persistente resistência à mudança, aliada à insegurança em acreditar na qualidade do que é feito em Portugal. Será talvez por isso que o Nu-Rave terá tido mais seguidores informados em Portugal e até no Porto do que a Nova Emoção. Este chegou a Portugal através de redes de informação como o Myspace e a MTV que agem, à partida, como definidores de um estatuto de qualidade. Criou-se uma febre do Nu-Rave, todos começaram a ouvir música de dança, a ir aos clubs, discotecas, e, por curioso que pareça, a própria Nova Emoção era confundida com Nu-Rave por este novo público que seguidor das modas. Esta desordem de ideias, fez com que, por um lado, as festas organizadas pela Ástato estivessem cheias mas por outro, fez com que a Nova Emoção perdesse o seu carácter e estímulos próprios, - Agora já não faz sentido, já é moda fazer isto e depois deixa de ter impacto. Se toda a gente faz, passa despercebido por entre os outros e o objectivo destes trabalhos é terem impacto.(15)
“Entretanto a Nova Emoção acabou e já estamos a tratar de fazer coisas novas. Há nomes novos, músicas diferentes, projectos novos, com menos arco-íris e mais outras coisas. Ainda nada cá fora mas até já.”(16)
Apesar de inicialmente, os membros da Nova Emoção terem recebido com agrado a existência deste novo movimento, de alguma forma, sentindo que depois de tanto lutarem contra as críticas, afinal não estariam sozinhos. No entanto, foi também, com Nu-Rave que se dissolveu a Ástato e a Nova Emoção. Tudo deixou de fazer sentido pois existiam demasiadas manifestações, tudo se tornou comum e aceitável. O desusado, o foleiro passou a recorrente e todos sentiram necessidade de criar novos projectos e novas formas visuais de aplicarem as antigas referências. Segundo João Marrucho - o movimento acabou mas ficam as ferramentas formais, ficam os trabalhos, uma linguagem com vocábulos que depois são utilizados noutras linguagens, são reciclados.(17)
Em 2006, todos os intervenientes da Nova Emoção acabaram o curso, afastaram-se da FBAUP e criaram projectos profissionais. João Marrucho esta a formar a sua empresa de design de comunicação com Tiago Carneiro: de nome Visual; Albino Tavares trabalha com Duarte Oliveira e Sérgio Couto, formaram os Atelier de Design Bolos Quentes; João Marçal continua a trabalhar como pintor e produtor de música. Existe ainda, em paralelo, o projecto Concorrência DJ’s, do qual fazem parte João Marrucho, Albino Tavares, Pedro Santos, Tiago Carneiro e Teófilo Furtado que continua a organizar festas, a produzir músicas e a criar o seu design.
Quanto á FBAUP, João Marrucho sente uma certa desilusão em relação á nossa geração, na medida em que esperava o surgimento de algo novo, tal como eles, quando eram estudantes, fizeram nascer. Foi talvez por isso que nos deixou com um bom conselho - Vocês precisam de produzir e mostrar mais coisas porque aquilo, a vossa faculdade, parece parada, porque as pessoas têm medo de fazer coisas, têm medo de falhar e não podem, pois senão vão chegar aos trinta, aos quarenta ou aos cinquenta sem terem nada feito. Quem diz falhar, diz produzir. Vai haver muita gente a criticar-vos. (...) A nova emoção foi um nome - vamos enchê-lo - mas pode ser outra coisa, temos um espaço - vamos enchê-lo. Podemos ter falhado redondamente mas aprendemos e crescemos com isso.(18)


1 Marrucho, João Alves, Eurosom, http://eurosom.blogspot.com/2007/08/nu-rave-can-kiss-my-2009-20-pro-ass.html, Porto, 2007.
2 Marrucho, João Alves Marrucho, Jam Texto, http://jamtexto.blogspot.com/2006/12/neo-emo-rebenta-lhe-as-dobradias-com_28.html, 2006, Porto.
3 Gellner, Ernest, Pós-modernismo, razão e religião, 1992.
4 Marrucho, João Alves, in Entrevista, Porto, 2009.
5 Marrucho, João Alves, Eurosom, http://eurosom.blogspot.com/2007/08/nu-rave-can-kiss-my-2009-20-pro-ass.html, Porto, 2007.
6 Marrucho, João Alves, Eurosom, http://jamtexto.blogspot.com/2006/12/neo-emo-rebenta-lhe-as-dobradias-com_28.html , Porto, 2007.
7 Marrucho, João Alves, in Entrevista, Porto, 2009.
8 Marrucho, João Alves, in Entrevista, Porto, 2009.
9 Tavares, Albino, in http://www.astatocdrquem.blogspot.com/, Porto, 2005.
10 Marrucho, João Alves, in Entrevista, Porto, 2009.
11 Marrucho, João Alves, in Entrevista, Porto, 2009.
12 Marrucho, João Alves, in Entrevista, Porto, 2009.
13 Marrucho, João Alves, Eurosom, http://eurosom.blogspot.com/2007/08/nu-rave-can-kiss-my-2009-20-pro-ass.html, Porto, 2007.
14 Marrucho, João Alves, Eurosom, http://eurosom.blogspot.com/2007/08/nu-rave-can-kiss-my-2009-20-pro-ass.html, Porto, 2007.
15 Marrucho, João Alves, in Entrevista, Porto, 2009.
16 Marrucho, João Alves, Eurosom, http://eurosom.blogspot.com/2007/08/nu-rave-can-kiss-my-2009-20-pro-ass.html, Porto, 2007.

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