A procura por patronos que apoiem a construção de um futuro melhor através do design continua.

Marty Neumeier, autor do best-seller The brand gap (traduzido como O abismo da marca), esteve em São Paulo para falar a um grupo de executivos sobre o poder do design na construção de marcas inovadoras e diferenciadas. As ideias transmitidas fazem parte do seu mais recente livro The designful company: how to build a culture of nonstop innovation, ainda não lançado no Brasil. O evento aconteceu por iniciativa do escritório Gad’ Design e da Dextron Management Consulting.


Designer gráfico há mais de trinta anos, especialista em estratégia de branding e inovação, Marty Neumeier dirige desde 2002 a consultoria Neutron, localizada em São Francisco. Foi também editor da revista Critique: the magazine of graphic design thinking, entre 1996 e 2001. Pioneira nas reflexões sobre estética aplicada aos negócios, a Critique desencadeou a formação da Neutron e gerou muitas das ideias contidas no livro The brand gap. Articulado e aberto ao diálogo, Neumeier tornou-se uma espécie de guru missionário do design – empenhando-se em promover o design como filosofia para o mundo corporativo.

O público com quem Neumeier busca dialogar é formado principalmente por homens de negócios, com pouco tempo livre e apetite por novidades. Isso explica porque a sua linguagem é simples, direta e impactante. Como ele mesmo define, “são livros para serem lidos em uma viagem curta de avião”. As palavras de Marty servem também como argumentos para que os próprios designers aprimorem seu desempenho no diálogo com os administradores de empresas.

Empresas “com design”

Quando a economia americana dava os primeiros sinais de que perdia fôlego, há três anos atrás, a Apple registrava os maiores lucros da sua história até então. Segundo Marty Neumeier, a única maneira de uma empresa superar uma crise econômica e ter sucesso é inovar continuamente. Marty é vizinho de Steve Jobs em Palo Alto, na Califórnia e a Apple é o seu exemplo de excelência para os conceitos que ensina. “Mas, diferentemente da Apple, é muito improvável que outras empresas tenham o diretor de design como CEO”, alertou ele, lembrando que não se pode ter toda a “inovação” concentrada em apenas uma pessoa. “O que as empresas precisam é assimilar uma cultura de inovação constante, que está dentro de todos”, explicou.

Para inovar, segundo Marty, é preciso projetar o futuro e não apenas decidir o futuro. “O problema é que muitos executivos assumem a primeira ideia que vem à cabeça. Tem todo um nível de reflexão que fica ausente do processo tradicional dos negócios que é encontrável nos processos de design”.

Neumeier nomeou alguns desses “níveis de reflexão” encontrados nos processo de design. Esses conceitos, tão presentes no dia-a-dia de profissionais que executam projetos, foram ouvidos com atenção e certo deslumbramento pelo grupo de executivos, como se fossem a última novidade e a receita mais atualizada para o sucesso. “Explorar o espaço entre realidade e imaginação, entre o que é e o que poderia ser. Ter uma visão ousada. Fazer protótipos de soluções. Não usar soluções prontas. Trabalhar em redes de colaboradores. Dar um passo de cada vez e refletir sobre os problemas profundamente.” Será mesmo possível ensinar qualquer um a pensar como um designer em menos de 200 páginas, que podem ser lidas em uma viagem curta de avião?

As escolas de administração de empresas não ensinam design. Como um agravante, o contato dos jovens com as linguagens não-verbais durante os anos de educação formal pós alfabetização é pouco ou nenhum, salvo raras exceções. Não causa espanto ouvir de Neumeier que os administradores tradicionais sejam surdos e cegos em relação à palavra design. Assim como o mandarim, o design parece ser uma língua estrangeira que todos estão achando melhor aprender logo.

Mesmo que os homens de negócios tenham sido cegos para o design, os consumidores não tem sido. Neumeier ressaltou que o design é hoje o fator número um de diferenciação na maioria das categorias de marcas, ou seja, produtos são mais vendidos por causa do design. E mostrou mais exemplos de empresas e produtos inovadores cujo design está presente tanto nos processos como nos produtos finais: a cadeira Aeron, que sozinha representa 30% do lucro da Herman Miller; os objetos Oxo Good Grips criados pela Ideo; o Kindle, da Amazon, que é “o livro e a livraria no mesmo objeto” e a homepage surpreendentemente vazia do Google.

Construindo pontes

É evidente que não se ensina design em 200 páginas. Mas Marty Neumeier está fazendo a sua parte, construindo pontes importantes entre designers e não-designers. Em 2008 a sua empresa Neutron realizou uma pesquisa em parceria com a Universidade de Stanford para descobrir os problemas mais difíceis enfrentados por 1.500 altos-executivos americanos. Dentre os problemas mencionados por eles, os mais comuns eram: como equilibrar sucesso a longo prazo com as cobranças de curto prazo? Como prever o retorno de conceitos inovadores? Como se manter inovando o tempo todo? Para Marty, a solução para esses quebra-cabeças complicados é, genericamente, “pensar como um designer”. Mas, se todos podem pensar como designers (após lerem os seus livros), onde entram os designers formados para ser designers?

Para Neumeier, os designers podem ser muito mais do que os criadores de “posters & toasters” que foram durante todo o século XX, influenciando mais drasticamente as indústrias e os serviços na raíz de seus processos produtivos, com a sua sensibilidade e sua capacidade criadora. O problema é que falar em chinês para quem não entende chinês é uma tarefa árdua. Então, muitos dos melhores e mais conscientes designers acabam encontrando acolhimento às margens desse caminho comercial, comumente na área da cultura, onde conseguem realizar as suas ideias “ousadas” com maior facilidade.

Marty Neumeier já fez parte da diretoria da AIGA (a associação profissional dos designers nos Estados Unidos) e afirma que os designers (especialmente os gráficos) ficam “emperrados” quando se fecham no seu próprio círculo, promovendo uns aos outros através de prêmios e exposições, quando poderiam ser muito mais do que “apenas” criadores de “cartazes e torradeiras”. Foi essa sensação de que a atividade do design gráfico sozinha não estava levando-o a nenhum lugar que impulsionou Neumeier a escrever sobre design e estabelecer um diálogo com os tomadores de decisão dentro das empresas. “Em um certo momento da minha vida, descobri que a palavra aliada ao design formava uma mistura poderosa”, disse ele.

“Good design, good business”

Nem sempre os designers tiveram que mover montanhas para ser ouvidos. Nos anos 1950, a época em que a expressão “bom design, bom negócio” tornou-se um mantra entre a comunidade de designers, empresas inovadoras como Container Corporation of America (CCA), IBM e Olivetti, entre outras, entenderam que o design havia se tornado um fator crucial para atribuir qualidade e reputação às empresas e produtos. Na opinião de Marty Neumeier, contudo, esses não são bons exemplos. “Naquela época, esses designers eram de fato artistas saídos da Bauhaus, à procura de patronos que financiassem a sua arte. Esse modelo está ultrapassado”, disse ele.

Neumeier pode achar o modelo ultrapassado, mas a qualidade do design produzido para tais empresas naquele período é memorável. Mais do que isso, acreditava-se que o design poderia promover uma transformação na sociedade, através da criação de artefatos bonitos e bem desenhados. Nas décadas seguintes, porém, as regras do jogo mudaram, como explica Milton Glaser no artigo Design and business: the war is over, de 1995:

“Passados quarenta anos, as empresas agora acreditam que bom design é bom negócio. De fato, acreditam nisso tão fortemente que o design foi retirado das mãos dos designers e colocado nas mãos dos departamentos de marketing. Além disso, o significado de ‘bom’ sofreu uma redefinição extraordinária. Entre um crescente número de clientes, agora significa apenas ‘o que gera lucros’.”

Para Glaser, o comércio triunfou definitivamente sobre a cultura e a guerra acabou. Para começar de novo, é preciso restaurar não apenas a qualidade do “bom design” como também o seu centro moral, de maneira a criar um novo senso de comunidade e generosidade. Por mais que o design esteja ganhando estatus como competência vital no gerenciamento corporativo – o que já é um começo positivo – a sua função é declaradamente implementar a venda de produtos. Como bem apontou Michael Bierut no artigo The idealistic corporation, toda a paixão de Steve Jobs por design limita-se à coisas que vendem produtos. E a deslumbrante contribuição da Apple à vida cívica é a Apple Store, onde você pode ter uma experiência social que está relacionada tão somente à compra de produtos Apple.

Não basta tentar convencer os gestores das empresas do valor do design, nessa época de concorrências acirradas e rápidas transformacões do mercado. É preciso mostrar a eles o amplo alcance dessa disciplina, que vai muito além da geração de lucros. A procura por patronos que apoiem a construção de um futuro melhor através do design continua.


Sara Goldchmit, Sep 18

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