IDENTIDADE CORPORATIVA E AUTORIA

Texto para a Braço de Ferro

Normalmente os designers são técnicos. Mas poderão ser culpados pela falta de originalidade nesta situação?
Eu, como jovem designer, sirvo quase sempre apenas para corresponder às expectativas do cliente. Se o cliente quiser um logótipo como o da concorrência, por exemplo, eu posso dar-lhe isso. Se o cliente não disser que não, é porque quer mesmo ter uma imagem parecida com a da concorrência recusando uma potencial individualidade da sua marca em prol dum conceito qualquer imaginado para outra empresa. Aí, como designer tenho menos trabalho criativo, investigo menos, divirto-me menos, chapa cinco serve. O cliente fica satisfeito mas com uma coisa sem um jeito apropriado. O panorama continua igual mas maior.

Então e se os clientes gostam de comer mal, que mais se há-de fazer?
O cliente é arroz de pato, suponhamos: Invento e preparo uma bela receita para servir ao cliente um arroz de pato divinal e ele diz: -Está muito fixe, mas agora quero isso com lagosta. A empresa dele até é arroz de pato, mas se ele se vir como uma lagosta e teimar em misturar os ingredientes, acaba por servir um prato intragável aos clientes dele.

O pior mesmo é quando o cliente é mesmo um arroz de pato com lagosta. Se tento ser claro, ele raramente gosta de se rever. Mas quem sou eu para lhe dizer que está a tentar o negócio errado? Nessas situações mais vale dizer logo: -Não gaste já em comunicação, gaste antes em investigação. Posso passar por arrogante, mas também pode correr melhor.
Em condições excepcionais, um criativo competente deveria estar à vontade para poder aconselhar o cliente a mudar de estratégia. Se ele não ligar à sua opinião, pode sempre tentar fazer o melhor que pode. E o melhor que pode está muitas vezes limitado pelo que o cliente quer.

A superação das expectativas que o cliente tem para a sua imagem é tão impraticável como o ficar aquém das expectativas do cliente. Enfim, não são as expectativas do cliente. E ponto final. Tristemente não costuma servir outra coisa senão o esperado.
É assim que funciona quase sempre o mercado. E por isso é que o design está em crise. Porque os clientes estão, sem saberem, em crise de identidade.

É nestas alturas que pode dar jeito um autor. Alguém que saiba como construir uma mensagem, uma atitude, até mesmo uma linguagem. Convém realçar que autoria não é aqui sinónimo de fazer sempre a mesma coisa mas sim de dominar completamente o processo de comunicação. Uma agência pode ter autoria também.

O método de criação de uma linguagem só pode ser posto em prática por alguém que saiba da poda. Alguém que não tenha pudor em usar uma Comic Sans para um cliente Comic Sans. Que não tenha medo de dizer coisas más porque a linguagem não é só feita de coisas boas. E são poucos os audazes, normalmente desempregados.
E como se essa escassez de criativos com críticas construtivas sólidas não bastasse, encontrar um cliente capaz de tomar um atitude de risco, um cliente com um espírito autocrítico, é quase impossível.

O mercado ganhava com essa frescura. Ganhava limpeza, claridade, facilidade de entendimento e beneficiava ainda de uma nova atenção por parte dos potenciais consumidores.


Por este andar, não vai ser tão cedo. A mesma razão que impossibilita os designers de tomarem conta do processo, é aquela que os livra da responsabilidade criativa. Porque antes de enriquecerem o panorama visual, os designers precisam de comer. O que acaba por acontecer normalmente é que depois de comer, a preguiça apodera-se do corpo e da mente e puf, adeus ideia fantástica para mudar o mundo.
Pode demorar alguns anos até que alguém confie no trabalho do designer e entretanto ele vai compondo a mesa com arroz de pato com lagosta.
Concluindo: os designers não podem ser responsabilizados pelo acto criativo a partir do momento em que não considerados pelo cliente como autores da mensagem. Nesse momento, se o designer lança o documento final em condições de ser impresso, com a aprovação do cliente, desde que não ponha em causa a saúde e a liberdade de ninguém, tem o seu trabalho cumprido sem nenhuma culpa pela pequena merda que acabou enviar para o disco duro da gráfica. De uma vez por todas, os designers que não são interpelados enquanto autores, não são desculpa para a incapacidade que os clientes têm em se desprender do processo que o designer deve conduzir (esse processo é mais conhecido entre nós designers como Design de Comunicação).

Eu bem sei que o clientes são os primeiros donos do trabalho, mas felizmente para nós designers também são os últimos.

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