Um texto sobre as minhas coisas.

Têm-se escrito algumas linhas sobre o meu trabalho. A partir delas tenho vindo a reflectir de outro modo sobre o que faço e chegou a altura de organizar as ideias num texto. Vou tentar falar um pouco sobre um caminho recente que, perceba-se muito bem, não percorri sozinho. Vou também escrever um pouco sobre as razões de se conseguir estar na ponta da lança antes mesmo atingir o alvo: O segredo é muito simples. Quatro coisas: Respeito pelos mais mais desrespeitadores, muito respeito pelos mais desrespeitados e muitos trabalhos de casa.

Como disse André Sousa na Conferência Sobre Nova Emoção em 2006: "Saída da integração de Portugal na União Europeia, surgiu no grupo" (e somos para aí uns cem) "a noção de pertença a uma comunidade". Isso está intrínseco à nossa geração. A dimensão da cidade, no meu caso o motivo aglutinador da FBAUP, permitiu que vários grupos interligados por muitas pessoas se juntassem recorrentemente para discussões, debates, eventos, ataques e defesas. Ao contrário de Lisboa, no Porto as pessoas (pelo menos no meio da FBAUP) reagem com naturalidade ao confronto e à frontalidade, por mais desbocada e impertinente que seja uma deixa. Como me disse o disse um dos meus grandes mestres, Mário Moura (The Ressabiator): "Se uma discussão não for acesa, não vale a pena." E nessas discussões cometem-se erros que servem o propósito da discussão, crescer a tempo e horas.

Na minha opinião tudo isto tomou curso em tempo próprio para permitir que o Porto organizasse cinco anos antes do Grande Mundo, todo um conjunto de referências estéticas que já vigoram hoje em dia. Não tenho receio de designar o Porto como uma das cidades mais influentes no panorama internacional, por dois motivos principais, temos (porque os desenhámos) documentos que o comprovam, e porque estes documentos (posters, textos, músicas e outras obras) foram publicamente afixados para uma rede democrática, moldada pela desautorização e onde se desenvolvem e desenvolveram dos trabalhos mais interessantes da última década. Para mim Portugal, e principalmente o Porto, funcionou como microclima, óptimo para a criatividade. Eis o meu como:

No meu caso, a entrada para a faculdade despoletou um crescente espírito inconformado com a suposta ausência de história de arte portuguesa. Por comparação com as situações socio-culturais das outras cidades foi fácil perceber que a inscrição na história não se fazia sem vontade. E por análise de momentos históricos anteriores, foi simples compreender que é sempre tempo de abdicar da perspectiva desconfiada sobre as revoluções tecnológicas em curso.
Na internet implementaram-se com vigor nos 00's grandes novidades e uma essência de DIY (Do It Yourself) impossível de ignorar. Hoje, a meu ver, o designer contemporâneo já respeita e idolatra o design do povo. Porque é também mais simples tirar conclusões de acções espontâneas e menos educadas do que de acções controladas.
Assim, o designer deve por seu lado tentar entender um conjunto de opções do Outro para melhor desenvolver o seu trabalho. Por outras palavras ainda, penso que um bom designer de comunicação pode ser tudo menos iconoclasta. Que deixe fluir o que não lhe pertence e conclua "do ar" das opções inconscientes da maioria das pessoas. Essas opções que marcam uma época, são o fruto da necessidade, e existem porque não estão limitadas à regra. Este espírito não existia na Holanda (país de rico de design demasiado estruturado para admitir o caos do FVM (Faça Você Mesmo)) há 3 anos atrás, altura em lá estudei durante seis meses e do qual falo por experiência própria.

Devo agora diferenciar a opção inconsciente/ingénua da opção estética obrigada. Essa deriva da ditadura das majors de software. Do mesmo modo que se pode influenciar um trabalho duma atitude menos consciente, também o designer (tanto como o não-designer), se pode render com simplicidade crítica e generoso reconhecimento do trabalho dos programadores das majors ao que se chamam os Presets. Os presets são as ferramentas estéticas dos consumidores passivos. Os consumidores passivos (estão em vias de extinção nos países desenvolvidos) oferecem poder de compra. Como referido no parágrafo anterior, mais importante do que o poder de compra, para o design das coisas, os consumidores passivos transparecem as necessidades do mercado. O modo como usam as mais recentes ferramentas criativas (quais lápis de cor! agora é hardware e software, gadjets e widjets) constrói a actual paleta de atitudes para o designer de comunicação.
Essa paleta de atitudes está sempre a mudar. É isso que torna o objecto desenhado de acordo com os movimentos da massa, mais valioso. Um telemóvel antigo é de facto, para mim, um documento valioso. São notas de vida.

Estes são princípios e observações que normalmente regulam a minha actividade e não quero deixar de os publicar numa altura em não cessam os ataques e, para grande felicidade minha, já vejo públicos comentários bem positivos sobre o meu trabalho. :) Aqui fica um abraço forte a todos os meus amigos que me têm ajudado a compreender o mundo como uma coisa nossa.

Sem mais assunto de momento deixo os meus melhores cumprimentos a todos os se deram ao trabalho de ler este texto, agradecendo de antemão toda a atenção.

Até breve, por aí,
João Alves Marrucho

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