É no Porto que vivo e é lá de dentro que escrevo.

Se eu quisesse escrever um texto sobre o panorama artístico do Porto e não me apetecesse falar nas galerias e na programação institucional (ou de programação a modos que tendenciosa e virada para si própria) escreveria qualquer coisa assim:

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Panorama artístico do Porto, sinto muito porque sinto que não existe nada dessa dimensão. Depois da integração da maioria dos jovens do Pêssego, do Olímpico, do Senhorio num mercado de trabalho, a galeria do Jornal Universitário do Porto é bem capaz de ser a nova excepção porque uns amigos das belas artes decidiram tentar programar o espaço desde há cerca de quatro anos. Mas também está a acabar. Eles programaram-no sem critério algum que não fosse o da maioria decide e o da lista de espera, com um mínimo de seriedade para afastar as bocas mal intencionadas. E, imagine-se, resulta! É por estas e por outras que cada vez mais acho que os artistas portugueses em bienais deveriam ser escolhidos por SMS. Com direito a publicidade institucional mais regrada que a política, tipo €500 para cada licenciado/artista/credenciado para fazerem publicidade e 5 minutos por ano na RTP2. Ou talvez não… Isto é mais falar por falar. Ou por ver entrar em falência um dos orgãos vitais do passado do nosso corpo social. Aquele que garantia raros momentos de beleza. Hoje os sites de uploads de fotografia, vídeo, animação, curiosidades, enfim, a NET 2.0 encaminha-se para um sentido pro-criativo e a manutenção da sanidade mental da população parece-me estar assegurada… até mais ver. Porém, este ritmo de educação visual, creio, dará, dentro de poucos anos, o que passado uma década será apelidado do pior movimento visual de todos os tempos, O Lixo do Povo. Detritos visuais com potencial comercial.

Peço alguma compreensão aos meus amigos que trabalharam e trabalham arduamente nas chamadas artes plásticas que por agora designo como do foro académico. Este texto não visa, de todo, formar-se como um ataque a colectivos ou a pessoas. Quero ressalvar desde o início que tenho o maior dos respeitos por quem hoje rema contra uma maré de tendências e sub-tendências do mercado. Todo o sentido irónico, cínico, mais ou menos humorista que pode ser subtraído deste texto, incide sobre uma série de princípios da Arte, que me parecem errados.
Antes de publicar este texto conversei com um amigo que me disse que como não me estou a especificar em Arte Contemporânea não tenho ferramentas para pensar a natureza da Arte. Não obstante, o faço, porque me parece que por comparação com outras disciplinas e campos de acção, posso chegar a conclusões tão válidas como as de quem se embrenha no novelo do discurso.

É no Porto que vivo e é lá de dentro que escrevo.
Numa cidade pobre e velha não tem havido espaço para que grandes criativos se imponham. As novas indústrias, como as do lazer, tecnologias de informação, transportes, multi-média, não florescem porque o capital está trancado em famílias conservadoras que, em laivos de liberalismo burro, acham que um tipo tem que ser homossexual e pintor para ser um bom artista.

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Além das opções sexuais para mim há duas posturas gerais que um artista pode tomar. Uma é envergada pelos os artistas que acham que toda a gente tem o seu quê de génio. Estes compreendem que os criativos para se inserirem de modo natural no mercado devem estar muito mais juntos da prática desportiva do que da filosofia e da política (sem nunca esquecer a ética da criação, digamos, o fair-play). No Porto também são conhecidos como desempregados criativos. A outra deriva directamente da academia. Estes, por defeitos de formação da Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto, abdicam da transparência da comunicação e optam por vender um enigma a 5000 euros a vender uma solução por €2,5. Algumas divas funky das artes clássicas que são estudadas (como as da instalação e da video-arte) ainda servem os panos de fundo para uns passeios. Mesmo assim nos dias de sol a malta já prefere a praia.

Já sabemos que um dos mercados não espera que apresentemos soluções. Mas ainda não sabemos se existe mercado para a primeira postura de que falei.

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Vejamos então os desempregados criativos como pessoas que têm jeito para detectar problemas e para propor modos de os resolver (nem que seja temporariamente). Não me parece que no Porto já haja infra-estruturas com credibilidade e capacidade para os acolher. Tem que acontecer uma mudança. As agências de publicidade são a coisa mais próxima da variação mercantil que deve acontecer. Na música por exemplo, os portugueses também têm delegado por norma as soluções práticas nos promotores de eventos e agentes. Existe uma explicação para esta norma: escolhendo artes clássicas que levem anos a fio na especialização não nos podemos afastar das rédeas hierárquicas. Como artistas, depois de optarmos por aprender mesmo a tocar violino (ou CSS/HTML/Action Script e Java Script), para estarmos libertos dessa grande maçada que é o ter que pensar em problemas banais (como o de saber qual é o melhor dia do mês para marcar um concerto), perdemos campo e capacidade de acção.

Por isso:
Hei és artista e os teus amigos estão virados para os seus umbigos? A sério? Então esquece isso e vem daí fazer cartazes e vídeos para as exposições deles, trabalhar em estratégias que tornem os produtos mais excêntricos em sucessos de vendas, vem policiar direitos de autor, ou projectar um novo edifício para concertos multi-média, …bora registar patentes. É aí que surge um imenso novo mundo de oportunidades de trabalho. Intermediários: uma espécie de parasitas que resolvem problemas quotidianos.

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O Porto não dá nada disto. Os artistas com quem cresci têm vindo a baixar os braços e, pode ser uma noção errada minha mas parece-me que estão a desitir de tomar as rédeas do coche orientado-o no sentido nosso. Quase parece que deixaram de apresentar soluções e mesmo continuando bem intencionados, foram entrando em mercados a que eu não acedo por falta de capital. É que eu pensava que a revolução já estava a acontecer e não arranjei trabalho por ficar à espera do futuro (que bate o pé e não se apronta a tempo). Enquanto se espera, os artistas, têm sempre que fazer, e quando se não está a realizar um trabalho encomendado, pode-se estar a reflectir sobre a disciplina.
As coisas tendem para o equilíbrio, eu sei, mas o Porto, no meio do terceiro mundo e da Europa lisboeta, saturada e desorientada, está muito enervado por não conseguir sair da merda em que está. Aponto os dedos aos que nunca conheci mas que sei se passeiam por cá. Os que em Agosto, no Natal, na Páscoa e no Carnaval vão de férias. Esses que vão muitas vezes embora da cidade que fica para os pobres coitados que se assaltam entre si, ora dá cá aquela sala de espectáculos ora toma lá o comando da TV. É nas férias de nós próprios que mais nos vejo em qualquer comparação com uma cidade dum país saído de uma guerra civil. Culpa assente numa camada social com poder económico porque este marasmo vem da falta de coragem de quem pode investir e mudar as coisas. Enfim, a maior parte dos ricos do porto são uma cambada de invejosos que estouram o guito em multinacionais como a Ermenegildo Zegna ou a Porche. Forretas para os artistas de cá, e é por isso que a cidade está o que está. Sem uma indústria criativa de jeito. "Os bons fogem." É um cliché dizer isto sobre os emigrantes, mas ninguém os pode censurar porque ninguém deve ser testado desta forma. Acho que quando se tem capacidade de trabalho, visão, garra e talento é deveras ingrato ficar à espera tanto tempo de algo que não pousa no Porto. Uma espécie de presente europeu, era o que eu queria. É tão injusto para Portugal, porque Portugal precisa muito do Porto.

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