Nao sou arrogante, sou apenas melhor do que tu.

"Portugal é um país estranho. Quando alguém emite uma opinião crítica é logo cognominado de arrogante. Abrir a boca numa nação onde ainda não nos habituámos a falar é considerado uma arrogância, pelo simples facto de se dar voz à cabeça e ao coração. Estranhamente, já não é arrogante quem não concorda com aquele que quebrou o silêncio e lhe chama de imbecil. A imbecilidade, toda uma categoria da cultura portuguesa pelo que podemos verificar, refere-se assim não a um hipotético atraso mental de quem transmitiu uma opinião que se considera errada ou infundamentada, mas à própria circunstância de se discordar dessa pessoa, que até pode estar muito certa. Ou seja, toda a divergência é uma imbecilidade, mas claro, personalizada nos outros, que eles é que divergem de nós, e portanto são uns imbecis. Nós temos sempre razão, pelo que não somos atrasadinhos, e se mantivermos as nossas ideias sobre as coisas mudas e quedas, também não nos arriscamos a ser arrogantes. Em tal contexto de cuidados, o que fazer às convicções? Ignorá-las, claro, porque podem ser perigosas e levar a que sejamos insultados na praça pública, pois a nível pessoal já é mais difícil que tal aconteça. É sabido como os portugueses só em situações extremas conseguem chamar estúpido ao vizinho ou ao colega. Educação cristã ou receio de levar uma galheta?
Neste cenário, pode aquele que se atreveu a ser arrogante e imbecil dizer a mais pura das verdades que tal não interessa. O equívoco do seu detractor já foi de tal maneira encenado pelo chamado "direito à indignação" que se tornou num dogma, e pior ainda quando a má informação que defende é socialmente legitimada por, imaginemos, uma prática popular de utilização da gramática e da ortografia ou um dicionário medíocre. Nestes entendimentos, a maioria tem sempre razão porque é a maioria, mesmo que não tenha, e o que está escrito é para venerar, mesmo que seja um grande disparate. Algo de muito semelhante aconteceu há uns dias relativamente aos casos de meningite relatados pelos órgãos de comunicação social. Um irritado grupo de pais exigiu insistentemente que se desinfectasse uma escola, apesar das explicações da Direcção-Geral de Saúde de que tal medida seria totalmente inútil, dado que o contágio não se processava entre os espaços / objectos e as pessoas, mas entre pessoas apenas. Debalde. Os especialistas foram tratados como imbecis e, à cautela, uma outra escola tratou logo de desinfectar as suas instalações. Ou pelo menos de comunicar que o tinha feito, para satisfação da ignorância que acusa os outros dos seus próprios males.
A ignorância, não a maldade, explica muitos destes comportamentos menores, mas o certo é que em Portugal surgiu nos últimos tempos um fenómeno tão curioso quanto absurdo: o orgulho de ser ignorante, que é mais do que ser ignorante: é abraçar a alienação com quanta força se tem. Basta lerem o que se vai escrevendo nos nossos jornais sobre música, salvo honrosas excepções."

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227ª Folha informativa das novidades da Ananana
Portugal 13/05/2005

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